A Morte nos contos de Cadernos Negros - Volume 34

 Lumbiá de Conceição Evaristo

O tema escolhido pelos autores neste volume, o que deteve minha atenção foi a tematização da Morte, por estar presente em seis dos vinte e dois textos publicados. Passei a refletir sobre a representatividade que o ato de morrer assume na ficção da literatura negra, na qual os autores se predispõem a visibilizar a voz e sentimento da população afrodescente. Relembrei a época em que trabalhava como assistente social no Hospital das Clínicas em São Paulo, quando participei de um grupo de estudo que se predispunha a estudar os vários entendimentos do morrer visando instrumentalizar teoricamente os profissionais que trabalham com pacientes terminais e com parentes de vítimas de mortes traumáticas.

Naquela ocasião percebi, através dos estudos, de como a Morte adquiri significados diferentes, dependendo da cultura,religião e lógico da reação individual das pessoas que se deparam com esta realidade imutável da vida e ainda como os rituais de despedidas, àqueles que morrem, mudaram através dos tempos. Por exemplo, antes os velórios eram feitos nas casas com a presença de parentes e amigos que se despediam dos seus mortos com choro e velas. Ou seja, a falecida ou o falecido tinham a vida comentada e lembrada por aqueles que fizeram parte emocional de sua trajetória, depois em cortejo funebre eram levados até a última morada, como se costumava dizer. Atualmente, principalmente nos grandes centros urbanos, se morre entre os profissionais de saúde que são estranhos ao moribundo ou moribunda, ou seja, uma morte socialmente asséptica e solitária como tive a oportunidade de observar na minha prática como assistente social.

Com relação ao tema Morte em Cadernos Negros, Volume 34, as situações do morrer abordadas pelos autores assumem outro significado, ou seja, a denúncia de um genocídio não declarado e banalizado como, por exemplo, no conto Lumbiá de Conceição Evaristo. Neste texto, o menino negro Lumbiá que trabalha nas ruas de alguma cidade urbana vendendo amendoim e flores, é observador atento do burburinho cotidiano dos transeuntes, e também das vitrines hipnóticas em seus diversos apelos de compras. Na época do Natal, fascinado pelas luzes e cenas de presépio exposto numa loja, adentrou no recinto aproximou-se da imagem do "Deus-menino", que estava nu e de braços abertos, repousado na manjedoura. Lumbiá sentiu semelhança e se identificou em necessidade de afeto e acolhida que aquela imagem despertava nele. Retirou a imagem da cena do presépio para agasalhá-la e formar uma outra cena, assim descrita por Conceição Evaristo:

"Tomou-a rapidamente nos braços. Chorava e ria. Era seu. Saiu da loja levando o Deus-menino. O segurança voltou. Tentou agarrar Lumbiá. O menino escorregou ágil, pulando na rua. O sinal ! O carro! Lumbiá! Pivete! Criança! Erê, Jesus-menino. Amassados, massacrados, quebrados! Deus-menino, Lumbiá morreu!"